o peso deforma o avanço
o ombro não deforma o avanço e o avanço respira deformação a gravidade destas questões dá lugar a quem pousa e coloca a mão sem querer parar para pensar num avanço que não deforme o que se tenta respirar tocando * a ranhura da água está ao lado das amoras tintureiras e o que está na margem é humidade matemática
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Selva
Quando penso na selva penso nos filhos mortos no ventre do seringal. Mortes contadas que a vó paria ao falar. Mortes vivas na palavra e no sangue que rasgou o mapa. Quando penso na selva penso nas lágrimas de Werner Herzog e o verde monstro beijando em seus lábios deliciosos o grande Pesadelo. Quando penso na selva me explico o calor do asfalto a pele curtida e o coração implacável. Penso na selva que não cabe num outdoor e ergo o punhal em sua glória. * Cadeira elétrica O sol senta o horizonte na cadeira elétrica e sentencia a derme à morte. Por sorte a megalomania do calor esquizofrênico amazônico despeja pink lemonades da tempestade mais absurda. Dionísio Dança o showgaze no teu copo de nescau e cinge corações ao meio na noite periclitante que ainda engatinha na sala de estar. * Furo No cobertor de sol tortos sob o plástico da areia molhada. Em plano holandês a cadeira inclinada — o horror o calor e a praia. Como funciona o suor? O cérebro a glândula o olho do poro — o furo. Homem e mulher cheios de furos. Mas só um nela perturba -- nas raízes da penumbra rosada cozido no forro há um furo vedado na lycra. Ele pare sangra morde. Sinto medo do furo da mulher que em tudo a significa. Sinto pena dos furos do homem que não jorram não insultam. Quando muito um é desejo na superfície do discurso mas fora do desejo um furo do homem é um não assunto um furo fora da curva um furo dentro do silêncio. No cobertor de sol Não te procuro mais
Como, aliás, nunca procurei Só a ideia da tua existência no gesto da mão na delonga da mirada e no atraso da partida como reféns que se reencontram sob o mesmo teto gémeos cujo choro nunca se destrinçou à nascença e se reconhecem no silêncio obtuso da multidão * Diz-me menos esta cidade do que as outras É mais uma no coro etílico das listas Entulho, sangue seco, vísceras e varejeiras. Trouxe a roupa num molho que ainda não desfiz, como se provisória entre dunas. Libações diárias à transumância do meu gado interior, feio, bravo, desaçaimado, cabriolando de porto em porto onde, ressabiado, só estaque para desougar. * O livro comprei-o e foi-me passado certificado de autor o micro era fraco, mal se discernia o ritmo, mas ao alto, asas logravam remoinhos, e a luz enfim lúcida principiava a cair tirei os óculos e vi como estávamos todos mortos ainda assim inaugurando páginas e toda a minha mágoa ou ansiedade foram nada e todo o meu corpo falhado nos ideais de recomeço descansava sem atrito ciente do mundo * Lira Não me confundam: eu não caí do céu nem saí da costeleta adâmica Eu já era antes de o puto se pôr a brincar com os monos no jardim Nunca sibilei nem dei pomos a provar Eu estou antes de todas as coisas sem nome fulgentes ainda da aparição Eu sou o pré o prefácio, o anterior o refinado traço pontilhado de um desejo Eu sou o que ainda não tem nome nem lugar e não pode ser conquistado ou caldeado à força do ouro Eu sou um posterior um cetáceo deitado no tempo categoria desprezível eu sou um intermédio rutilante e sou aquilo que se pega como a fome a praga a dor Escuta Que eu to direi * a flor azul na curvatura do teu chapéu criança inerte de mundo ainda gélida e perene como um ícone trazias um alfa na mão pintado a gris era um ovo sem procria lambido até à insanidade sob o pranto e a agonia dos beijos sáfaros contra a cidade essa flor azul estrelada encimando negra a tua testa como besta do mundo alada a vitalícia depravação dos enfermos do dia a dia abjurada essa tua flor azul danada lambendo na labareda o jus da danação Diante de ti
No mar que palpita os olhos, escarnece a alma Diante de ti, Em meio ao véu soturno Do primeiro sopro cardíaco da manhã Perpétuo O cheiro de abacate cortado Indignas Roseiras em caules mastigados Tiranos Psicopatas em cruzes de orvalho Diante de ti, Bigas transportando palhaços invisíveis Quimeras em estátuas de sal Maçãs nas teias de aranha O improvável mausoléu de heranças equívocas No mar que palpita os olhos, escarnece a alma Diante de ti, Godot na corda de Lucky Sabor dos cachimbos de plástico Colchões em pé no canto do quarto O amargo estampido no palato do fantoche As ruínas nas migalhas de janeiro Diante de ti, Sobremesas antes do jantar Nicotina em doses curativas Puxadores soltos nos parafusos Conservas vazias embaixo da pia No mar que palpita os olhos, escarnece a alma No mar que palpita os olhos, escarnece a alma Diante de ti, Túmulos em poses circenses Acrobatas no subúrbio animal Embriaguez em tempos de paz Baratas mortas dentro dos moletons Almoços em xícaras de papel Adiante, adiante, adiante Elos em crinas de borracha O improvável mausoléu de heranças equívocas No mar que palpita os olhos A planta do céu da boca Antílopes fumando cigarros de bronze Cobertores atirados em camas molhadas Diante de ti, escarnece a alma Interruptores amarelos como os dentes Panelas com cabos quebrados Isqueiros molhados Pregos de cabeça torta Azeite na garrafa de vinagre Vinagre no pote de sal Sal na boca do fogão Buraquinhos do chuveiro trancados Alicate que não abre mais Diante, diante, diante De ti Não adianta Mais * Sobre nada Mesmo que o grão disseminado Conteste a singularidade do plantio E a terra em desuso Combata o florescer obscuro Delírios ácidos acentuarão Debalde, a irrigação nos poros Latentes em cada movimento Mesmo que imortalizar os vícios Signifique simpatizar a paranoia Ramas plácidas infinitas Ainda codificarão o instinto E os pressupostos doutrinarão a culpa Se os sapos tivessem asas Não bateriam com o traseiro no chão Sempre que pulam Mesmo que as pupilas dilacerem o razoável E as bigornas sirvam de peso para papel Alguma coerência ainda restará E vibrará como uma víbora No forno aceso Jogar fora a própria vida Significa usá-la da melhor forma Mesmo que confrontar medo com medo Seja um blefe da consciência A confusão enrijece o apetite Por tudo que se ganha sem razão Admita que sempre foi hipócrita! Sendo hipócrita, como posso admitir? Ousar ou usar Se em qualquer momento da minha vida Eu depositar toda minha esperança em alguém Então podem ter certeza De que perdi a esperança Mesmo que nada seja atributo de tudo Tudo que se escreve sobre nada Sobretudo Sobre nada, esse poema Não quer dizer tudo Um peixe de sobretudo Nada nada Em seu aquário * Plano cartesiano A luz da lâmpada cobriu meus temperos Já não encontro minha doença dentro do pote Procuro em vão, um dia sóbrio na geladeira Comprei bolo de formiga, chá de astronauta Um chiqueiro novo, ferraduras de anjos Uniformes despejados, cinzeiros desbotados Alqui mia, cheia de bigode e pose Está tão gorda e peluda quanto seu dono Encontrei alguns remédios contra-indicação Quando bisbilhotava a construção ao lado “Ei” gritou-me o proprietário lá da rua “Se acabar com minhas pílulas Sou bem capaz de comprar um pato e um tapete” Já não encontro minha doença dentro do pote A luz da lâmpada, a luz da lâmpada Alqui não veio mais aqui Procuro em vão, um dia sóbrio na geladeira Comprei molho de algodão, rocambole de eutanásia Fissuras cerebrais acrobáticas, miúdos elétricos Ultrajes simbólicos, medo do escuro Encontrei um pato e um tapete Quando bisbilhotava a construção ao lado “Ei” gritou-me o proprietário lá da rua “Se acabar com minhas pílulas Sou bem capaz de comprar um pato e um tapete” Já não encontro minha doença dentro da lâmpada Procuro em vão, um dia sóbrio no pote Alqui mia, algo dão Alqui mia, algo dão Alqui mia, algo dão Alqui não veio mais aqui Se Alqui mia Algo dão E vennero navicando bene tre mesi, tanto che giunsero a l’isola Iava, nella quale à molte
cose meravigliose che noi conteremo in questo libro. Il Milione De São Paulo a Pequim mais de 25 horas, aproximadamente 17 588 km, um hemisfério aquoso chamado Pacífico & nove paradas antes de um coração parar de fender * Zora foi esquecida pelo mundo, quando Marco Polo ali chegou não havia sinal de civilização, Zora deixava na memória de quem fosse a exatidão de de seu território, De tanto presentificar-se desapareceu, Tal Zora suas retinas vaneceriam ao meu olhar * Como se em Anastácia estivesse, tornei-me um minerador de ágatas ônix, subjugada em meu gozo laboral. * Não existe viva testemunha de ter estado em Irene Marco Polo ali nunca pisou, Kblai Klan jamais teve notícias de como seria seu interior, Enquanto tateava a fim de alcançá-la, a cidade distendendo seus paralelepipedos fugia longe Irene seria a preferida dentre as cidades onde nunca tivera entrado. * Os habitantes de Ândria quiseram ensinar-me a prudência necessária para antes de tomar qualquer decisão, ajustar o desenho do céu pena eu ter andaimes nas mãos. * Semelhante os astrólogos de Perínzia tive a mesma aptidão para destacar-me em matéria de desastres * I morar em Sofrônia deve ser cansativo, dividida em dois aglomerados a parte fixa da cidade a cada nova temporada é implodida enquanto a parte móvel espera espera até que uma nova caravana chegue II Todos os anos refaço minhas tranças, corto os cabelos, & pinto de verde as paredes do meu quarto Todos os anos espero até que uma nova caravana chegue. * Tamara roubou-me as têmporas, os bolsos, os óculos, as mechas loiras, os esmaltes das unhas, o RG, o endereço, o sexo, o coração, os solados dos pés, os casacos de frio, a vontade de morrer, a vontade de matar, a vontade de enlouquecer, Tamara devolveu-me sem rumo, sem passado, Tamara, passou-me a limpo. * Diomira devolveria minhas tardes frescas de setembro Diomira estancaria o sangue em minhas narinas Diomira levaria-me à China. * Moriana era diferente de como o navegante genovês a descreveu suas portas de alabastro transpareciam luz as aldeias continuavam inteiramente de vidro mas guiada pelo aviso de perigo procurei pelo seu avesso não encontrando sua face de eixos hirtos de pregos revolvi por lá passar ainda algumas horas antes do porto de Tianjin aportar * a oeste da baía de Bohai, 170 km de Pequim, dentro da região estuarina do rio Haihe O porto de Tianjin abrigaria em sua vastidão portuária artificial o que sobrou do peso das minhas mãos frias. |
Histórico
Fevereiro 2021
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