Lógica do baldio toda rua se planta com o pé que a pisa e tem quem cuide da cidade só com a sola dos pés lembro do cuidado do Meleca ao passar a caneta no Bira, o balão no Zeca, semeando o asfalto lá em Senador Camará que hoje cresce como erva daninha em meu coração também eu plantei as pernas numa rua de Camará, olhando a Vanessinha, eu tinha 6 anos e nenhuma escolha e Vanessinha cheia de sorvete de manga na manga da camisa outro dia soube que o Meleca morreu furado com faca na Água Santa meu coração virou a sua casa pudera eu quando morresse crescer também erva daninha no coração da Vanessinha é que a Vanessinha foi a primeira das namoradas que eu não tive. * Criança que come e assiste o pai chorar após um telefonema Até que o açúcar conquistasse a garganta, como um general vence antes o pescoço que a planície, até que o indicador e o dedo médio mergulhassem no leite, com a calma dos cães antitanques, e fossem à boca, porque mais condensada é a fome de açúcar que os filhos bastardos e líquidos da mama e da cana quando vão a fogo baixo (pois a fome se condensa em fogo alto no calor das redações que justificam as guerras), e até que os cristais se instalassem às portas do esôfago, como pequenas minas esperam pelos pés de meninos como o açúcar os espera e os tem mal pagos para que cortem cana e para que a cana magoada deixe pequenos mapas rasgadinhos em suas peles, até aí não sentira ainda a carne sem fibras de fevereiro, que agora escorria pela garganta, à maneira dos desertores, e era o ano que assim desertava pela primeira vez secando a faringe, e as águas daquela pequena geografia, menino de década incompleta, mais novo e menor que a guerra dos sete anos, desertando, mas agora o pai, que não tinha a voz que dissesse “meu amigo morreu”, (vai chorar, não quer chorar) dizia, como quem segura uma granada sem pino, não quer atirar contra iguais (vai matar, não quer matar), “meu amigo morreu” agora o menino, contra a natureza de homem, deita, e espera a noite, o pescoço ardendo, (não sabe ainda que a memória arma uma bomba-relógio com fios delicados de desejo e sacarose) e como tudo o mais não desiste, mas fevereiro desce pela garganta feito um pai sem fibras, sem água, sem choro, sem granada, desertando, vai morrer, não quer morrer. * Depois que nos mudamos você disse os supermercados eriçam a época como um código de barras eriça a moleza da carne distribuída nos enlatados eu disse são tão eufóricos esses amarelos na ferrugem das latinhas eu sou azul e sem coragem você é uma gema de alumínio rejuvenescendo o pincel dos nossos músculos você disse posso correr com estas coisas nas mãos sem que apite o alarme e você correu, com um pedaço 2kg de acém nas mãos fosse um sputnik inaugurando um sonho amarelo convalescente a terra é amarela e sem delegacias você disse O primeiro poema é inédito. Os seguintes integram o livro A estreita artéria das coisas (Garupa Edições).
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Janeiro 2021
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