Ser poeta não é pegar em prosa
E parti-la aos bocadinhos, Enfeitados de rodriguinhos (como “o teu cardo fez-se minha rosa”). Não é espalhar um texto corrido Aos arrancos pela folha, Com alegria candente, ou amor sofrido E esperar que a coisa colha. Versos são frases, Mas frases não são necessariamente versos. Nem muito menos o são pensamentos dispersos. E os poetas (não andaluzes) de agora, Essas fogosas mulheres de generosos decotes, Esses mancebos audazes Que fumam charutos grandotes Para parecer menos pequenotes, Tinham tudo a ganhar no ser capazes (às vezes, pelo menos) De seguir regras como a rima e a métrica. Quem pode e quer escrever coisas bonitas - Ou até apenas coisas simples de almas aflitas Tem sempre o romance e a prosa poética. Abyssus abyssum invocat Noblesse oblige je t'embrasse Mali principii malus finis Os sonetos são uma chatice Como é que chama aquele poeta que eu queria tanto citar e não m’alembra, caraças, com tanto barulho nesta estação de metro! Be still my aching heart, Que o meu dealer não atende o telefone. Ah, que tanto me apetecia agora fumar uma cachimbada E beber um grande copo de gin cheio de pimentinhas, Num bar alternativo da moda (onde toda a gente é cá das minhas), Agora que tanto suei a excretar um poema de alma elevada! Mas ainda são três da tarde, tenho de levar o Mallarmé à rua e as putas das compras do supermercado não se arrumam sozinhas.
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