resista. os papéis estão cheios,
não há quadros na sala, o quarto é vazio e cansaço, mas existem os maus poemas para serem escritos, basta ouvi-los, escutá-los. não consegue escrever o poema? não consegue deixar de escrevê-lo? ora, pense nos anos que virão, mas não pense no amanhã, tão próximo e ardente. onde fechar os olhos, cessar a alma? foque, com insitência, na rua, nos passos, no tempo onde come de mãos sujas a vida. desista da torre, deponha o sonho. aceite, está mais do que provado, a vida é impossível ao meio-dia. por que a fúria e gana de quem quer vencer a partida a qualquer custo? pense: é isto ou o silêncio, e você, meu caro, sabe como o silêncio infiltra-se, rói e persiste, ruidoso. não desista das ninharias, do pó sobre as flores de plástico, do ouro de plástico e do que nele é possível de lúdico e frio, pois tudo é isso: lúdico e frio. que esperar mais? as palavras estão gastas, gasto está o mundo por onde anda debuxando sonhos, tentando vencer a tristeza por pontos. mas você sabe, disseram que diríamos e nada seria dito, eles acertaram Renan. e enquanto o amor é só um verbete, os papéis estão cheios. é preciso, pois, escrever por cima, rasurar, decalcar. o belo, meu caro, estava nos rios, nas árvores centenárias, na morte, quando a morte era só a última página. resista. e nunca se pergunte, jamais, o que poderia ser pior que isso. * é bom morrer às vezes, poder alagar e demorar o tempo e o peso das coisas. o copo e seu mar, suas vias menos ou mais secas. ou o caderno entre livros, tão extenso que as palavras uma por uma avançam em silêncio e descaso contra o tumulto que foi a vida. porém, todo sonho, como toda vida, como toda morte, tem um fim, um charco sem lírio, sem mal ou bom cheiro, apenas um terreno cru, inútil até para maldizer esta saudade impressa nas mãos úmidas.
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Abril 2021
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