Cometa
Foda-se a posteridade pequena vivida quando as cinzas ainda estão mornas e aquela já meia-leca, vamos lá, do que se passou nesse mês a montante Foda-se a posteridade de tenho lá um ou dois livros dele, nunca cheguei a ler, a outra que constata cem anos depois ainda reeditam o sacana e foda-se a posteridade assim mais pr’ó larga como se fosse bigger than life, como se o altíssimo não caísse também um dia, mais pr’á frente, no esquecimento assim que o Sol se pusesse a inchar como na estória dos sapos que fumam Porque a prazo está tudo, a vida, a dívida, a vocação giratória das esferas e, foda-se, a posteridade, que não é mais que esta idade dos pósteres na ponta do selfie stick * Roteiro Alguns versos de Szymborska evocam migrações forçadas, numerosos cortejos que conduziam a campos de concentração, a câmaras de gás Um leitor desprevenido seria apanhado de chávena, de calças na mão, pensando que tal poema é datado – mas não poderia estar mais enganado A barbárie é um pequeno-almoço condenado humanamente a repetir-se * Romã A morte não mete medo. Revolta-me o seu esgar impeditivo, não me deixa avolumar o almanaque, continuar a narração, saber quem chegará a ministro, a melhor marcador, qual a revolução iniciada pela ciência que se segue - e que novas estrelas foram avistadas recebendo códigos de barra por nome, as espécies animais e vegetais desaparecidas desta poucochinha vida sovina tão longa-pequenina, roído até ao sabugo o coro coçado pelas unhas-da-fome Sim, irrita, estorva, faz-me estrago e sacode o sangue na têmpora como os dedos tingidos pela ternura da romã, preço a pagar por estar vivo * Esplanada Por vezes, até nos faltam as palavras. Nesse instante lúcido, o único movimento será um tamborilar de dedos na mesa de ferro da esplanada e de costas para o mundo descerrar suavemente as pálpebras para melhor distinguir as camadas do perfume barato e poliglota papagueio que sempre sucede ao tédio O livro pousado é para inglês ver, os jornais são sempre de ontem e a chávena nunca foi além das águas ralas de um carioca, nem aí o dia fez despesa. A esplanada é para nós uma desconhecida, viúva alegre de maduros Maios, alma penada - habituada a observar as costas da mão através da palma e ainda assim perseverar * Slot Machines Do Delta das Pérolas ao Mississípi olho para esses casinos flutuantes, decorados de manjerico, desenho à mão levantada homens que jogam a vida ou, nesta ruela dos bancos poentes de Macau o gesto rapidíssimo quase misericordioso que decapita dezenas de pombos por minuto e se margeia como eu em baque surdo Dei por mim a pensar em todos esses tira-vidas, mãos de magarefe & lâmina na ilharga, preparados para os movimentos que realizam e encadeiam em êxtase zen de olhos e coração fechados O seu provento não está montado em azar alheio. Andamos sempre descalços, mas aleluia - até os degolados possuem padroeira
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Fevereiro 2021
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