I
a língua mole para palavras duras feito pedras que vêm da goela como um trem que parte túneis na escuridão do silêncio como no papo de aves que cantam na moela a pedra cisca e da faísca cerze do breu o novo dia um canto de pássaro num galho anoitecido é mole para adivinhar as formas brutas ou suaves das coisas ditas ainda não ditas e meditadas ou abruptas como um tiro de fuzil diante do azul de um céu sem nuvens a língua como um morto pronto pra ressuscitar sem nódoas e úmida dar ao ar sua parte mais avara, a árida palavra feita de deserto e desespero oásis sempre prometido ninho de ovos gorados a garganta com suas falsas gemas, apenas luz sobre vidro um estratagema contra a morte que nasce do oco da boca quando esta nada mais está dizendo * II são duras as paisagens são paulo é de concreto as árvores são verdes por fora por dentro já o inseto rói e tronco e pássaro se anunciam na vertigem rente ao presente mesmíssimo desse instante em que observo cada objeto é de aço trazido em vagões de aço em trilhos de aço por homens de ossos frágeis de baço inchado homens e mulheres de sabão em quase tudo derretidos perseguidos pela miséria de então do não que é essa cidade como uma atitude a altitude de suas torres sangrando olimpos comendo almas corroendo nomes assassinando deuses * III tudo transita as setas rasgam o ar sem destino as autoestradas estão vazias e o céu sem jatos os relatos não cobrem colinas e as mãos sem anéis se desquitam do presente: tudo se transforma, se não devagar de repente. * IV os dias se repetem é a mesma chuva na janela e o mesmo poema só não para jaime ovalle mas para outro amigo os amigos são os mesmos e também morrem os poetas de causas banais não de luz ou de palavra engasgada ainda nos recordamos do que amamos e perdemos até que não sejamos mais nem nosso nome na pedra os poemas se repetem não com as mesmas palavras mas com as mesmas escassas ideias * V espero as noites para ver no breu as coisas que amo: sem luz as coisas não que se alterem antes se revelam se despem como você se despe numa cama simples e cabe todo seu corpo seu tronco liso seus dedos manchados da terra do quintal assim gosto de contemplar o que em mim é mais do que coisa no corpo filtrado pelo suor e aquecido pelo sangue tudo em alquimia se traduz em nova anatomia, é no escuro que entendo o silêncio é na mudez das formas limpas que minha luz se acende
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Histórico
Março 2021
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