Manual de procedimentos de G. Stein
Deseja interromper o galopar da bolsa. Humanizar os accionistas. Pô-los diante de um espelho e dizer: é este o rosto da insegurança. Deseja mostrar-lhes um poema, dizer: teu valor enquanto indivíduo supera aquele definido pela vindima. Não, melhor: teu valor enquanto indivíduo não corresponde à colheita do teu esforço. O fado não é ditado pelo sabor dos frutos que carregas às costas. Despir os accionistas da tradição do capital, mostrar-lhes a beleza do incomensurável. Deseja enfiar uma flor na boca de uma máquina, esperar que se engasgue com as suas próprias lágrimas. * O desaparecimento de V. Larbaud O menino de ouro era filho de um grande senhor de ouro, que por sua vez era filho de um antigo conde dourado. Ou seja: o menino de ouro vinha de uma família de ouro, e era ele próprio uma figura de ouro. Para que não houvesse espaço para dúvidas, todos os aldeões, nos seus tempos livres, esfregavam-no bem esfregado. Poliam-lhe os caracóis loirinhos. As mãozinhas delicadas de menino de ouro. O menino de ouro estava destinado a ser grande e todos os órgãos camarários quiseram garantir, desde tenra idade, que o menino chegaria aonde tinha de chegar. Afinal de contas era herdeiro de uma ilustre dinastia dourada! Porém, algo terrível aconteceu, algo que ninguém estava à espera. O que aconteceu foi que, de tanto ser polido, o menino de ouro começou a sofrer uma malfadada erosão. Numa bela manhã de primavera, acordou e apercebeu-se que já não existia. Com tanta polidez, o menino de ouro extinguira-se. Passara a ser nada. Eis o que acontece aos meninos de ouro quando são demasiado polidos pelo público da sua aldeia. * A. Świrszczyńska contempla a rua Todos querem ser janela. Algumas exibindo as cenas mais atrozes dentro. A contemporaneidade chegou com o fim das persianas. * Uma tarde de limpezas com C. Pavese É preciso arejar a casa. Esta casa onde dormiu gente imunda. Esta casa agora por sinal abandonada, sem móveis, sem retratos, sem coisas, sem memórias mas com um cheiro a bafo ignóbil. É preciso abrir-lhe as janelas e que a rua a invada. Que me perdoem os antigos inquilinos: é preciso arejar a casa. As divisões bafientas, uma humidade vergonhosa que cheira a imagens do passado. Eis é um cheiro difícil de tirar (o cheiro do passado). Um cheiro ainda mais difícil de tirar: o cheiro do passado que não aconteceu. Uma casa sem passado, porém, guarda um potencial. O potencial do princípio, que, ao contrário do que muita gente diz, é bem melhor que o potencial da renovação. O princípio é único, o começo é único, e a casa arejada, já sem restos de passado (de um passado não acontecido), é um campo oco que nos convida para a iniciação. É preciso arejar a casa, para que esta possa hospedar um novo significado. * A. Rimbaud aprende a lidar com o sucesso De cada vez que abria a boca ouvia uma ovação. Foi assim que o silenciaram.
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Histórico
Março 2021
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