Ano 14 d.c.
se as pessoas não lidam bem com a dor porque um poodle se conformaria com duas injeções diárias de insulina se o cão foi um dia o inesperado nada te prepara para aplicar injeções, medir glicose lavar seus olhos cegos com soro, pingar colírios anti-inflamatórios dias são necessários talvez meses até o cachorro te entender matilha parar de chorar do outro lado da porta perder o medo do povo da casa em algumas cosmovisões podem ser nossos ancestrais criados logo após a separação entre o céu o mar, a terra acreditamos serem nossos porque aprendemos a escrever lhes demos nomes e eles respondem mas não sabemos como nos chamam em sua língua um cão sem dono é uma cria do acaso surpresa é o caos quando se abre a vida aos caninos nos descobrimos capazes de muitas coisas por um bicho depois que ele nos acompanha e te consola quando morre alguém chora e te espera quando você mudou de cidade, e te acolhe de volta perdoando a ausência como se você nunca tivesse ido se aninha no seu colo e dorme como fazia quando filhote, só que agora mais cansado, dolorido mija todos os cantos onde não devia por outras razões mas a vida se repete enfim o cão escolhe seu preferidos gentes, lugares, brinquedos cria hábitos e esquecemos todos do abandono (como é possível?) até que ponto a cadela aprende a se ajeitar no colo mirando a mão para ganhar o carinho até que eu compreenda sua linguagem as orelhas para trás quando tensa o rabo entregando a alegria quando bate a fome, ela me dá duas patadas e se senta somos companheiras as duas muito bem treinadas quando enfim se torna nosso nenhum cachorro é por acaso entre focinhadas, lambidas, pulos o bicho conquista seu lugar com sua alegria de estar vivo e fazer parte aqueles que não comemos e trouxemos para casa e dizemos de estimação domesticados praticamente da família sendo eles mais antigos, seremos nós seus inquilinos? é possível aprender sobre as pessoas que se espantam de você se dispor a cuidar de um cão bem velho e não se apiede da cegueira quando a dificuldade maior a cada dia é a força de se levantar, ele caminha devagar, conhece a arrumação dos móveis, seus humanos pelo cheiro ele tem seus dias ruins e fica quieto, guarda energias para quando alguém chegar sua alegria e força concentradas no que importa é fácil projetar o seu medo inominável no cachorro quando ele não demonstra autopiedade mas entende de continuar em toda a sua fragilidade até com o mau humor, as injeções se mantém fiel aos seus afetos decide teimoso com quem se permite dormir até entendo que as pessoas não olhem os bichos como eles são o esquecimento, uma miopia conveniente e evolutiva mas o impressionante é que apesar de acidentes domésticos, do tempo, da doença, da dor um pooddle velho e cego e diabético se adapta e insiste talvez por não termos desistido uns dos outros
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Janeiro 2021
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