A Body of Land é um projecto de fotografia analógica que pretende justapor o corpo nu masculino com paisagens do mundo. Ao tentar encontrar um tema comum, o objectivo é comparar o terreno e as curvas do corpo masculino com o terreno e as curvas do solo, um corpo e uma paisagem como a base da existência, o chão de onde crescer.
Como seres humanos, temos vindo a perder contacto com o mundo natural. Isto serve um pouco como uma forma de recuperar o nosso sentido de pertença, identificarmo-nos como produtos da natureza. Porque a identidade é tudo. Quem somos e o que sentimos que somos define as nossas expectativas e a visão do mundo à nossa volta. De certa forma, questiono-me quem sou e transporto-me para ser estes corpos e estar nestas paisagens, tentando perceber quem sou no mundo.
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Primeiro
O toque mesmo nas coisas para lembrar as mãos da arquitetura limpa daquilo que o mundo gestou. A mão limpa, cartesiana, reta pelas coisas para tirar o pó sobre os nomes sol, xícara, casca, ladrilho, pêssego, miséria e tocar outra vez como no Dia Primeiro algo dos nomes que vibre. * Aquilo que me sou não me é nunca. Pensando o que serei no escasso espaço de mim, não sei se penso e sou aquilo ou se, pensando, passa o tempo e passo – se passo e já não sou o que pensara, nem o que penso agora e que já passa. Não sei se algum momento embosco aquele que vejo ou se descubro-me sua caça. * o amado que toca os pulsos mornos de seu amado e o braço e as mãos tremulargênteas e o rosto toca e o sexo quente e afiado o amado que toca os pulsos mornos de seu amado e sabe de repente o que é um ensolarado riso e a noite antiquíssima que o olha de volta. * descobrir as palavras eu te amo pesar na mão cada uma, medir sua massa numa mão n'outra articular a língua os lábios dentes como pela primeira vez um homem o fez um homem o fez a outro homem testar o que abarca cada letra, o que deixa, o que fala testar cada som e sombra que acaso fique nas arestas do a, do e descobrir as palavras eu te amo e a violência que é usá-las. * é lícito um poema onde ecoem passos de um único homem ou de sua sombra os passos? é lícito o poema de uns pés descalços, limpos, sobre um pátio ainda mais? lícito que água ainda não convexa de toques nem de rostos outros espelhados que um só rosto, que essa água reste? ecos, passos, sombras, pés descalços, toques? é lícito que haja? é lícito que haja tão rara palavra: lícito? é lícito que haja o que haver em versos como estes se os tiroteios furam a pele de uma mãe de um pai de um filho e de um que não nasceu e não nascerá num canto escuro qualquer desse país que nem me digno a saber enquanto escrevo um poema sobre escrever um poema sobre um revólver calibre 38 que resolve anular o tempo? * mãos que levantaram-se e caíram no fluir inadiável do tempo e dia por dia ano por ano escavaram o tempo até aqui chegarem a estas minhas mãos morenas sob este céu transparente sobre este teclado mãos que levantaram-se e caíram nos afazeres e no fazer do tempo que ele é por elas feito e elas por ele engolidas o trabalho comum que é o tempo esta conta de vidro mão por mão gesto por gesto feito e abandonado como as ondas consecutivas na praia como o fio que se tece só em parte tempo – minhas mãos aquelas também sob estas. * Canto de dissolução Sepultadas no tempo deitam-se as coisas todas, que já nem coisas são, mas memória de coisas. Sepultados no tempo afundam-se os rostos todos, ou quase todos, e as datas, risos, gostos. Sepultadas no tempo jazem as nossas vidas, num tempo em que não são nem gozo nem ferida. Sepultados, enfim, no tempo, todos nós. Onde não há nem feito, nem pessoa, nem voz. Quem se interessa pelo indigente
quem procura saber seu nome a ele cabe a cova rasa o tecido roxo para cobrir seu corpo não lhe cabem mausoléus nem a linha divisória entre nascimento e morte às vezes, o que mais quero é ser indigente. * Às vezes me vingo, sabe, mas guardo segredo, escondo tudo ali em um dos cantos de minha boca, ali, bem ali, naquele canto que ri. * As luzes do jardim já se apagaram e eu ainda aqui sem saber que horas são. Na solidão da escrita por vezes nem coração palpita. * Quando amo não amo ligeiro sigo meu amado feito sombra converso com o vento e ele barulha revolta as persianas que já não estão por si estão por nós E meu batom batiza sua camisa. * Há muitos desastres desenhados sobre a cama Dois corpos nem sempre se traduzem em leves movimentos Algumas tatuagens registram o peso de certa mão Nós no lençol e não é o som do acordeão que te acorda A fronha afronta e salva sua dignidade. Poucas pessoas dão por ele.
Percebem-no aqueles que dormem Em nuvens macias como algodão. Confundem-no com a vibração Produzida pela passagem de um automóvel Lá em baixo na rua À hora da sesta. Oscilam os pratos na parede, Rugem as cruzes de madeira. A sensação é parecida com aquela Que produziria a passagem De um animal de longo curso. A maioria das pessoas começa A ter medo, dentro e fora das casas. Despertam os que dormem a sesta. O vinho derrama-se sobre as mesas Que ainda não foram levantadas. As maçãs giram conjuntamente Com os globos escolares, E o que não gira fica de pernas para o ar. O ritmo dos pêndulos enlouquece E morre. As criaturas vêem: vidros Quebrados, vasos partidos, Brinquedos e livros abertos Ao meio. Movem-se os móveis, Fendem-se as paredes, mexem-se As árvores e os arbustos, ouvem-se Os sinos pequenos das igrejas, Batendo uns nos outros como inimigos. É difícil morrer de pé. As melhores construções desabam. Ondas escuras turvam os lagos. Tocam desalmadamente os sinos E os instrumentos de tortura. Caem muros, Lamentos, Chaves, Monumentos, As colunas mais altas, As torres mais antigas. Deslocam-se casas, Cortam-se caminhos. As correntes nadam contra a corrente. Pânico geral. A base da sociedade, antes metafísica E cristalizada, cai pela base Como qualquer raciocínio indiferente Ao tempo. As regiões transformam-se Em pântanos. Os rios abandonam o leito. Correm livres, mas loucos. As vias férreas conduzem agora a bocas De lama profunda. Destruição E totalidade. Os níveis e as perspectivas Ficam alterados. Os vivos estão mortos. |
Histórico
Fevereiro 2021
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