Justiça - Maria Augusta Ramos (2004)
(tanta coisa depende de qual das duas extremidades do chicote foi feita pensando em você) in Topada no Escuro (7letras, 2015) Suponha que eu tenho razão (e você não) pegue tudo o que você já escreve nos últimos 5 anos jogue desordenadamente num arquivo de texto copie baixe um aplicativo chamado 'word counter' cole o texto na janela do 'word counter' vá no menu 'show word frequency window' clique na coluna 'frequency' para ordenar as palavras por ordem de ocorrência primeiro vão aparecer muitas preposições, conjuções, pronomes e depois, pouco a pouco começam a aparecer os substantivos veja quais são os 3 primeiros substantivos que aparecem escreva num papelzinho guarde o papelzinho dentro da sua carteira pelos próximos 5 anos nunca mais escreva essas palavras in Uma pequena festa por uma eternidade (7 letras, 2016) Quem é você nest gif? a mulher está na rua com outras pessoas fazendo platéia para assistir à demolição de um prédio vizinho. a mulher segura pela coleira um cão que está tentando desesperadamente fugir do local. a mulher vira-se para trás para agarrar o cão, consegue apanhá-lo no colo, e quando volta-se de novo o prédio já caiu por completo. in Uma pequena festa por uma eternidade (7letras, 2016) A parte escrita a parte escrita deste poema sofreu alterações irreversíveis. embora ninguém saiba exactamente quais são elas, a parte escrita deste poema há muito já não é a mesma. das cinco palavras do título nenhuma foi aproveitada. os verbos e os pronomes foram todos substituídos. o último verso não existe mais e os outros mudaram de lugar. o assunto e os personagens da parte escrita deste poema diluíram-se a cada releitura até desaparecerem completamente. o autor da parte escrita deste poema está irreconhecível e mesmo o seu nome já tem outro significado. da parte escrita deste poema não restou nenhum susto nenhuma mancha de grafite. in CONTEMPSPOILERS (Miasoave, 2017)
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[geleia de amora]
1-A http://www.google.com 2-A inserir: 3-A como fazer uma geleia de amora? 10 receitas de geleia de amora. é difícil fazer geleia de amora? drinks que combinam com geleia de amora. geleia de amora tem glúten? 1-B 2618-7130 2-B chamando: vovó. 3-B oi, dona vitória. como é que faz aquela geleia de amora mesmo? 1. rosane espera alcançar seu principal objetivo naquela tarde que é descobrir como fazer geleia de amora. o google conta para rosane como fazer uma geleia de amora e mais 147 receitas de geleia. rosane fica em dúvida. 2. o afeto é inexistente quando rosane busca receitas de geleias de amora em seu computador. 3. rosane chora vendo um video de cachorro. 4. existe afeto agora. 5. rosane é uma belly dancer. 6. belly dancer do inglês. belly = barriga dancer = dançarina 7. que significa dançarina da barriga. 8. que significa dançarina do ventre. 9. por ser uma dançarina do ventre rosane está agora nos anos 90. 10. agora que está nos anos 90 rosane quer descobrir como fazer uma geleia de amora nos anos 90. 11. rosane tem memórias sobre sua infância no sítio ilha de santa catarina enquanto dança. 12. dona vitória só usa calças e camisetas da mesma cor. se hoje, domingo, dona vitória escolhe uma calça amarela. hoje, domingo, dona vitória sairá de calça e blusa, ambas na cor amarela. 13. dona vitória gosta de vermelho. 14. durante a colheita da amora no sítio ilha de santa catarina, dona vitória usa seu conjunto favorito na cor vermelha. 15. dona vitória tem uma neta de 27 anos chamada rosane. 16. rosane gosta de números primos. 17. dona vitória é uma jogadora compulsiva do bicho. 18. dona vitória e rosane dividem a mesma paixão pelo banco imobiliário. 19. o sítio cansa dona vitória. 20. dona vitória vai ao sítio para: I. vestir-se inteiramente de vermelho. II. jogar banco imobiliário. III. fazer geleia de amora. IV. querer rosane ensaiando dança do ventre ao lado da piscina. V. sintonizar sua rádio preferida que só pega na ilha de santa catarina. 21. rosane sente um súbito desejo de comer geleia de amora. 22. rosane liga para dona vitória. 23. dona vitória e rosane conversam sobre a ilha de santa catarina. 24. está tarde demais para fazer geleia de amora. 25. rosane dança. 26. dona vitória se veste de vermelho. [no edifício satélite] 1. rosane não quer ser uma poeta de cabelos cheios com pêlos de gato no cardigã preto e que lê poemas às quartas-feiras em brooksfield (no barracuda coffee american texas style shop and drink and read). 2. rosane sai para uma volta na gávea. 3. há certas conclusões que só é possível chegar com esta luz de outono, pensa. 4. antes de tudo ainda era preciso recolher os jornais da sala. 5. se empilhassem as abas da internet como empilhavam os jornais. 6. rosane ainda assina a revista da NET. 7. o que vale a partir de agora é a regra do mingau de aveia em todas as refeições. 8. belchior morre. 9. toda vez que rosane come mingau de aveia um ídolo de dona vitória morre. 10. rosane abre o e-mail enquanto janta mingau de aveia. 11. almir guineto morre. 12. enquanto almoça mingau de aveia. 13. enquanto lancha mingau de aveia. 14. dona vitória janta mingau de aveia todas as noites desde que doutor hermínio faleceu. era o inverno de 1998. 15. rosane sente-se febril. 16. no e-mail rosane marca com uma estrela a mensagem: venha conhecer o novo empreendimento de brooks eld e garanta você também uma laje gourmet no condomínio a nova galileia. 17. seria bom morar perto do barracuda. 18. dona vitória sente-se febril. 19. acontece agora um revezamento de febres. 20. o condomínio a nova galileia fica na mesma praça dos cinemas de quando seu hermínio ainda ia ao cinema com dona vitória. 21. o cinema que virou igreja. 22. o cinema que virou loja de departamento. 23. o cinema que virou açougue. 24. que virou restaurante vegetariano. 25. que virou o barracuda coffee shop. Ser poeta não é pegar em prosa
E parti-la aos bocadinhos, Enfeitados de rodriguinhos (como “o teu cardo fez-se minha rosa”). Não é espalhar um texto corrido Aos arrancos pela folha, Com alegria candente, ou amor sofrido E esperar que a coisa colha. Versos são frases, Mas frases não são necessariamente versos. Nem muito menos o são pensamentos dispersos. E os poetas (não andaluzes) de agora, Essas fogosas mulheres de generosos decotes, Esses mancebos audazes Que fumam charutos grandotes Para parecer menos pequenotes, Tinham tudo a ganhar no ser capazes (às vezes, pelo menos) De seguir regras como a rima e a métrica. Quem pode e quer escrever coisas bonitas - Ou até apenas coisas simples de almas aflitas Tem sempre o romance e a prosa poética. Abyssus abyssum invocat Noblesse oblige je t'embrasse Mali principii malus finis Os sonetos são uma chatice Como é que chama aquele poeta que eu queria tanto citar e não m’alembra, caraças, com tanto barulho nesta estação de metro! Be still my aching heart, Que o meu dealer não atende o telefone. Ah, que tanto me apetecia agora fumar uma cachimbada E beber um grande copo de gin cheio de pimentinhas, Num bar alternativo da moda (onde toda a gente é cá das minhas), Agora que tanto suei a excretar um poema de alma elevada! Mas ainda são três da tarde, tenho de levar o Mallarmé à rua e as putas das compras do supermercado não se arrumam sozinhas. dar um ping
ligo a webcam (um teste de solidão) criar (mas como) um poema a partir da tela (sem links nem você) parece que falta (e a tela está cheia) o que eu (apenas meu rosto) me dei conta (que número) foi que eu tinha um rosto (dizem ip) cuja expressão (sempre entregue ao outro ao espelho) agora posso comandar (quanto tempo vai levar) como (desorientação espacial) um piloto de avião milésimos antes da queda [Pacotes: Enviados = 192 Recebidos = ? Perdidos = não é possível medir] * PIN três letras, quatro números. podia ser o meu ou o teu nome, certa hora ou certo ano. podia ser o que quiséssemos. porém assim imposto, sem teu rosto, já não sabe a crédito, senha de cartão, signo da intimidade diante de qualquer garçom antes os movimentos dos meus dedos seguiam apenas a convulsão do teu desejo agora não há nenhum mistério: desliza rapidamente para cima para desbloquear ah ok. mas por mais que eu tente a mensagem foi apagada pelo remetente * à sextina preferes logo o sexting, quantos filmes, mandar malandras nudes, fantasias para acabar em ghosting. o espelho reflete só teu rabo: confirmação do adágio: aquele, pá! sílabas, pixels, e que mais? fogo! continua o guião seu rumo ao fogo, ou ao fumo, se o assunto é sexting, palavras, uma arte (dizem, pá!). não resultam as entrelinhas? nudes! mais rápido mostrares logo o rabo. no coração imagens fazem ghosting. transforma-se a palavra amor em ghosting? incêndio que não arde mas é fogo? sacanagem mostrar-te a meio rabo, e preencher três quartos com sexting, toalha a cobrir o corpo nude (à beira dos buracos, zero pá). vem o plot twist: que cena, pá! imagens que retornam, mesmo em ghosting: soubeste então cavar com olhos nudes, já viste? fooooooogo! com dedíssimos ágeis para o sexting abriste o coração, agora o rabo... três pontos para completar o rabo, obscena seria a exclamação, pá! com palavras é que se faz o sexting, sem elas abre-se a via para o ghosting, e não há chuca que apague esse fogo, ou há, e a sextina fica nude? ninguém nunca se satisfaz com nudes, moedas sem valor diante do rabo, mas até lá chegares haja fogo e palavras e gírias e se pá! peleja onde espreita sempre o ghosting, valha-te tanta tusa para o sexting. se ao cabo o fogo não dá em rabo, e teus nudes nulificam-se em ghosting, pá, tuas mãos gastaram-se em sexting. * ghosting eu também cheguei a algumas conclusões que você não vai saber no tempo em que às rosas competiam ser rosas o poema seria então preenchido por enumerações de onde organizariam algum sentido não vai haver válvula de escape nos filmes aqui traduzem cut the crap por deixa-te de tretas o poema também te abandona * dezembro não quero que o spotify saiba o meu gosto musical melhor do que os meus amigos estou farto de coincidências que só levam a poemas sacados da minha barba vem destruir o que resta deste lirismo frio convida-me para um sítio fixe quente e vazio como o teu coração * LOGOUT hoje não consegui escrever vou sair para a rua entrar na névoa e se acaso nos encontrarmos matar-te-ei como se mata um poema falhado |
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Fevereiro 2021
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