Os objetos não cabem nos dias
Os objetos não cabem nos dias, suas bordas deslizam pelos corredores da claridade — na superfície assustada de um planeta que hoje sabemos ser minúsculo; os objetos nomeiam os dias (com sinais estreitos, sempre); os objetos — transpirando — situam os dias em algum lugar do desejo: aqui onde ninguém respira bem. * Soltamos outra sede Soltamos outra sede para perturbar a apatia imposta aos dias; crepitando, uma fenda -- manhã multiplicada — agora sim nos infinda: afeto atrai fala (e fala faz faísca). * Pulsações propagam Pulsações propagam o corpo — expandindo suas premências, experimentando novas impossibilidades — de um lapso a outro: a carne (isso, a carne) é parte do sopro. * Aprenderemos a descansar os olhos na água Aprenderemos a descansar os olhos na água (entre novas fissuras). A calma — apesar de tudo há calma — quase abranda o calor. Pedras prensadas contra o brilho daquela manhã ali, respirando dentro de alguma fala. O dia é obrigado a se abrir: aprofundamos sua fome. Com as pupilas eletrocutadas. * Um rosto nasce em torno da voz Um rosto nasce em torno da voz, embrulho que atiro na areia ou levo até a água (que lanço da janela ou arrasto pela calçada); este é o rosto que atrai a cidade, os tentáculos da cidade — aprimorando, sem se satisfazer, os primeiros impactos da manhã. (Da manhã: desfiada sobre o asfalto?) Você fala: você suspende o oceano (e não só a surdez; você suspende o oceano) movendo o maxilar.
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Usando a fotografia como medium, aproximei-me de pessoas. Este é o resumo do meu trabalho, numa frase. Poderia citar-vos Susan Sontag e falar-vos da câmara como arma, ou então explorar a secular crença de que a cada fotografia que lhe é tirada, o sujeito perde parte da sua alma. Poderia conceptualizar o meu trabalho, atribuindo-lhe adjectivos e dimensão, usando a palavra como adereço, mas eu quero é mostrar-vos as imagens e dizer-vos que estas fotografias foram tiradas com enorme compaixão, com respeito e admiração por aquelas que se colocam, expostas e vulneráveis, frente à minha lente.
Em vez de falar de mim, ou do meu trabalho, escolho falar-vos da valentia destas mulheres que, anos após anos de saberem que é suposto esconderem-se, elas escolhem, e friso, escolhem não se esconder. Eu tive a sorte de estar na sua presença, e de as registar. Parece místico pensar que ao fotografar em filme, é-me possível ter ainda mais sorte, pois pude presenciar, registar, e guardar para sempre estas mulheres em algo físico, como o negativo. Por cima do meu guarda-roupa, numa dezena de caixas, guardo um já sem conta número de negativos destes. Aqui estão algumas destas mulheres. À beira do Tâmega
Contemplo o azul refletido Que paz faz cá dentro. * * * Alentejo Tempo horizontal: Entre o cerrado amarelo Oásis azul. * * * Piódão Circundante vale Suas curvas como facas: Tocamos as nuvens. * * * Olhei para a vida E nada vi nada estava: Tudo se afogava. * * * O poema Sempre começa No poente. Ficha técnica
Diana Costa ilustrações para a obra literária "A fada Oriana" de Sophia de Mello Breyner Andresen 2017 grafite s/ papel 210mm x 297 mm Este conjunto de ilustrações foi elaborado no âmbito do projecto de mestrado, sendo referentes à obra literária "A fada Oriana" de Sophia de Mello Breyner Andresen. Nestas ilustrações, podemos visualizar os diferentes elementos da floresta, da qual Oriana seria a sua protectora e guardiã. Através destas ilustrações realizadas a grafite, procurou-se uma delicadeza e fragilidade dos vários elementos, conjugando cada um deles harmoniosamente. Prelúdio
Esmalte vermelho Um pouco acinzentado Cinza sobre a mesa pequena Na varanda, conchas Cheias da cinza, lembremo-nos, Humano, este és tu também Matéria leve, cinzas voando Carregadas pelo vento Que sobe Pelo rio Estou a sentir-me Como na borda de um navio Eu, inclinada sobre A delicada estrutura de ferro Olá liberdade! Olá pássaros! Olá perigo! As bocas vermelhas Dos meus dedos Feitos pelo Deus-ferreiro Dedos selados, Cumprimentando com cortesia Enquanto incluem Penugens cinzentas, incenso Contam-me sobre o calor De fogo, vulcões. Olá, Liberdade! Olá, phoenix! Olá, vida! Re:flexão Eu peço-te Que me vires Como o vento dobra As ondas, peço-te Que me consertes Para ter a força, concentrada Para não estar espalhada por aí Somente abstraída da fonte Das minhas confusões Pois eu não sou (do) mar Mas nele me reconheço Como seja um espelho Nó Se eu apertar Um nó Na minha tristeza Pode ele lembrar-se Lembrar-me Da minha felicidade Na boca A eternidade Na boca Uma língua Cheia de palavras Cheia de silêncio Sem fim As palavras Na boca A eternidade Elas lapidam A obscuridade Dentro dos lábios Lapidam-na Clara como uma Pedra preciosa Transformam-na Numa ponta aguda Será a caneta que Eu vou usar para Escrever sobre estas, Aquelas coisas que Ainda não sei Traço Em cima das tuas bochechas Em baixo dos teus olhos castanhos À esquerda, à direita A pele ondea-se, tímida Que rugas delicadinhas Como se se sentassem lá Borboletas, voadas, já |
Histórico
Fevereiro 2021
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