nordestiny's child é uma coluna em formato de áudio, em que poetas do nordeste do brasil vocalizam 5 minutos de poemas seus. nosso objetivo é bem pretensioso: além de abrir espaço para poetas do não-sudeste, queremos ocupar o mainstream e acabar com a exotização da nossa fala, que acontece tanto com leitores do sudeste do brasil, quanto com portugueses.
muito da culpa pela infantilização e fetichização do sotaque "nordestino" (e veja bem: o nordeste tem mil sotaques, plural e enorme que é) vem da rede globo. usando princípio bastante semelhante ao do black face, as novelas trazem atores e atrizes sudestinos que imitam, má e porcamente, o sotaque de salvador (e note-se que dentro da bahia há mil outros jeitos de falar), ignorando as idiossincrasias locais e achatando as complexidades de uma região composta de 9 estados, como se fôssemos a barra da tijuca. vocabulário local e trejeitos são maximizados ao ridículo, criando aberrações que não se encontram em parte alguma. e que distanciam o brasil de si mesmo. essa coluna tem o sonho de acabar com esse mimimi de "ai que delícia de sotaque" ou "isso não é português" ou "isso não é linguagem literária". chega, né. obs: o nome "nordestiny's child" é criação do artista pernambucano aslan cabral, a quem agradecemos pela maravilhosidade.
Texto de Kátia Borges sobre Salvador
„Há pelo menos dois modos de conhecer Salvador. Um deles é a fruição objetiva das belezas turísticas da cidade, com suas 365 igrejas e um milhão de festas. O outro, mais subjetivo, passa pela vivência no centro antigo, pelos ritos profanos que cercam o entorno de seus templos e pelo saudável caos orgânico que se traduz em São Joaquim, a indomável Feira de Água de Meninos, com suas folhas sagradas de beber e de banhar. Para entender Salvador é preciso encarar suas ladeiras de nomes esquisitos. Preguiça. Boqueirão. Água Brusca. Nossas ladeiras, dizem, estão entre as mais inclinadas do mundo. Certa feita, um pesquisador chamado Eduardo Gantois – obviamente baiano – chegou até a desafiar os critérios do Guinness Book, que elegeu na categoria inclinação a Rua Baldwin, na Nova Zelândia, e não a Ladeira do Pepino. Diria que nosso sotaque vai além da variação na pronúncia dos fonemas. É um estar à vontade no mistério, mais que frases ditas com determinado ritmo. Nas encruzilhadas, deita-se os ebós a qualquer hora do dia ou da noite. E é como se aquele feitiço morno pairasse sobre todos, algo por fazer para mudar algum destino. Um segredo que se faz público, compartilhado naturalmente no espaço urbano. E uma profusão de tonalidades. De pele, de céu, de pelos. Terra onde mães de santo são deusas e os espíritos dos mortos dançam entre os vivos na festa dos eguns da Ilha de Itaparica. Diria que alguns de fora ganham nosso sotaque, e não necessariamente na voz. Penso, por exemplo, em Pierre Fatumbi Verger. A cidade que me interessa, aquela que me inspira, não se descobre contratando um guia turístico. Mas por uma guia de santo no pescoço. Pelo branco que se veste a cada sexta-feira. Pelo que compartilhamos de fantástico em nosso cotidiano“.
0 Comentários
|
Histórico
Abril 2021
|
Proudly powered by Weebly