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A BACANA

Quatro poemas de Denise Pereira

30/1/2019

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Cânone em Ré Maior

Cada vez que uma boca se abre outra fecha-se.

Nunca escrevemos outra que não esta história.
De cabeças esquecidas no furor de chapéus e avisos.

A verdade surpreende quando no calor de uma voz amiga:
"Encenamos para os outros as soluções do quotidiano".
 No sorriso a súplica para que não me perdesse eu também.

Deixei-o na sua morada longa e fugidia.
Distingo agora a compaixão e a pena.
Tudo depende da posição que ocupamos em palco.
Ele do meu lado ou ele de frente,
Espaçoso em contraluz.

Não voltarei a substituir os olhos pelas bocas.
Resta-me o ensinamento dos peixes.
Aos cardumes de palavras exijo silêncio.
Pois nenhum significado se sobrepõe ao do gesto.

*

Ámen

As linhas rectas pedem-me para fazer vénia e sair.
Sussurram nas cantigas de quartos antigos.
E sem aviso prévio,
são hoje esqueleto, cartilagem e plasma germinativo.

*

Homeostasia

É impossível encontrar as palavras quando em retirada.
Esvaziamos os significados quando aceitamos o movimento.
Talvez esse seja o segredo da dança,
Recuperamos o equilíbrio no momento em que abdicamos dele.

*
​
Obituário

Res.pon.sá.vel


Soletro contigo o que é consciente.
Coloco-me no acto inicial das causas.
Ouço-te a esmorecer no refrão moroso das consequências. 

Cai sobre mim. Desejo contar-te um segredo,
Arco reflexo de intelectualismos e psicanálise:
Decides. Sim. Sempre.
Quer cruzes os braços ou te atires intrépido na espuma das ondas. 
Não há recusa que não implique dispêndio energético. 
Somos criaturas sapientes meu caro: 
Ao modelo intermédio apelidamos de resistência passiva.
Túnel umbilical de antigas e ocas placentas.

Aqui onde estamos simulamos a terceira da cartilha do velho Newton.
Giro o disco para que se imponha a melodia.
Venha a enfadonha dança de espessas barbas,
gravitando em torno de imaginadas esferas.

Estudei com afinco os passos, sopro após sopro.
E quando te beijar a testa fria, baixando-te no último dos dias,
será um beijo nessa pequena, que de espelho em espelho se fez mulher. 
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"Os dias negros estão de volta? A história sentimental da cidade adormecida", uma crónica de  Rabi' Jaber (tradução de Joana Gomes e Michel Kabalan)

28/1/2019

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Desde pequeno que Rabi' Jaber queria escrever uma obra-prima. Escrever livros, como diz uma das suas personagens, "é como construir pirâmides". Nascido em Ba'aklin (uma pequena cidade do Chouf) no ano de 1972, Jaber estudou Física na Universidade Americana de Beirute. Escreveu o seu primeiro romance, "O Mestre da Obscuridade" (Sayyd-l-'atma, com apenas 20 anos, romance premiado pelos críticos da editora Ar-Rais. Em 1995, Jaber publicou a sua segunda obra, "Chá Preto" (Chai Assuad), que esboça linhas essenciais dos seus romances posteriores. Um ano mais tarde, publica, sob pseudónimo, um novo romance intitulado "Borboleta Azul" (Alfaracha al-zarqa'). No livro "Ralf Riz’allah ao espelho”, publicado em 1998, regressa à técnica dos seus primeiros trabalhos, utilizando histórias verídicas como base para uma elaboração imagética. É essa necessidade de narrar a verdade que leva Jaber a procurar inspiração em livros antigos ou projecções cinematográficas.
Jaber considera que a Escrita é a sua única salvação e, como tal, decidiu retirar-se da vida pública para se dedicar a esta arte a tempo inteiro. Continuando a combinar a realidade histórica com a imaginação, Rabi' Jaber publicou inúmeros romances de inspiração histórica: "Eu fui um príncipe" (Kuntu Amiran) em 1997, "O último olhar para Kin Sai" (Nazra akhira 'alla Kin Sai) de 1998, "A viagem do granadino" (Rehlat al-Gharnati) de 2002 e "Beirute, cidade do mundo" (Beirut, madinat al’Alam) em 2003. Grande parte destes romances tem como pano de fundo a Guerra Civil de 1840-1861. Apesar do pessimismo ser uma constante nas suas obras, é possível entrever de vez em quando um sorriso na evocação da Infância.
Em 2005, é publicado "Beritus, cidade subterrânea" cuja estória versa a existência de uma Beirute construída e habitada sob o solo como alternativa à Beirute da superfície, constantemente assolada pela Guerra. Ainda no mesmo ano, Jaber publicou "Relatório Mehlis", um livro que evoca uma vez mais a capital libanesa e o clima nela vivido antes e depois do assassinato do antigo primeiro-ministro Rafic Hariri. Mais uma vez, e acentuando a tendência dos seus livros anteriores, é a cidade de Beirute que se assume como a personagem principal dos romances desse escritor libanês (ainda) não traduzido para a nossa língua.
Crónica publicada no jornal diário Al-Hayat no dia 31 de Janeiro de 2007 dedicada à cidade de Beirute.


Quinta-feira, 25 de Janeiro de 2007. Onze horas da noite. As ruas de Beirute estão vazias. Atravessa-se a rua sob as luzes eléctricas cor-de-laranja. Um posto de controlo do exército. Veículos militares. Esta noite, recolher obrigatório. O exército emitiu uma declaração. Os media transmitem a declaração oficial a cada quinze minutos. Sair no distrito de Beirute é proibido das 8.30 da noite até às seis da manhã. Caminha-se por ruas secundárias. Ninguém na rua. O vento assobia na rua Abdel Wahab al-Inglisi.

Alguns cães ladram num descampado atrás de um prédio. Não soam como raposas. Isto não é numa floresta. Os prédios não são árvores emaranhadas. As esquinas das ruas, tu conhece-las. Esta ruela não é uma brenha. Serpentes não te vão atacar vindas das lojas. O passeio está húmido. A água brota por debaixo dele. O pavimento da rua inchou. Tu conheces estes caminhos. Há anos que atravessas estes mesmo caminhos. Tu conheces as montras das lojas. Tu contas as árvores. As laranjeiras de Monot. Os ciprestes de Bliss. A quina na Sioufi. Quem rega estas árvores? As nuvens regam árvores. Esta noite não chove. Ninguém nas ruas da cidade. As pessoas refugiaram-se nas suas casas. O dia foi longo. Terça-feira, fogos disseminam-se pelas ruas da cidade. Na quarta-feira, uma manta negra cobriu varandas, carros e escritórios. O papel branco da secretária está coberto de negro. Isto não é chuva. O nível de poluição subiu. Bebam leite. O leite faz bem. Previne a asma. O fumo paira sobre o cruzamento Monot-Rue de Damas. O fumo paira sobre a manhã de quarta e os trabalhadores da construção civil limpam o caminho com mangueiras. Depois, o sol põe-se. Começa quinta. Lutam. Queres saber, ó leitor sentado para além do mar, a razão? Lutam. Ponto-final. À noite, o recolher obrigatório.

Passa da meia-noite. Da janela vê-se a cidade adormecida. O silêncio é incrível. Não há carros a cruzar as ruas. Não há televisões ruidosas. Não há festas. Não há manifestações. Não há casamentos. Não há música. Não há barulho. O silêncio é incrível. Apesar de se estar na cidade. Isto não é uma floresta. Supostamente, Beirute é uma cidade à beira-mar, sobre-povoada. Onde estão as pessoas? Sair é proibido. As pessoas permanecem em casa. Silêncio perfeito. Fechai as portas fechai as janelas. O expectante usa a oportunidade e dorme esta noite. A cidade dorme e ninguém esmurra ninguém. A cidade está dividida. Onde está a terceira metade? A terceira metade existe. Aqueles que calam não são importantes. Talvez não sejam importantes. Talvez sejam a coluna secreta. Quem impede os fósforos e os fogos de atingirem as casas? "Cinquenta justos (Gen. 18:28)". Dormirão esta noite? O teu amigo disse esta manhã: "A origem da maldição é a geografia.". Ele disse isso? É difícil nascer neste país e ter uma vida tranquila. O problema não reside nas pessoas, o problema está na localização. Estará certo? Ibn Khaldun² não distinguiria uma da outra. Pois não? Ibn Khaldun não está aqui. Teve sorte. Não, não teve sorte. Ibn Khaldun sofreu. Viveu uma vida difícil. Esta noite, ao contemplar a cidade adormecida, é possível ver Ibn Khaldun sentado à beira-mar. Ninguém o vê. O mar é de um negro quase verde. As pessoas permanecem em casa. Os soldados vestem os sobretudos. O vento da noite é frio. Apesar de nesta noite o vento ser suportável. Há pouco, havia uma brisa quente. O tempo de Beirute é imprevisível. A cidade assenta numa cabeça cravada no mar. Suspensa entre dois mundos. Se tocada pelo vento marítimo, belisca-a o frio norte. O reumático sofre. O reumatismo é terrível. A gota também.

E a gota? É melhor não comer pássaros no churrasco. A gordura não faz bem. E o reumatismo? Precisa de lã. A lã é uma protecção. Mas, se a lã provoca alergia é um problema. A doença cerca-nos. Não há necessidade de doenças agora. A cidade está adormecida. Não vamos ficar doentes enquanto dormimos. A cidade delira quando dorme. O que vê, pousada como um leão marinho à beira-mar? Vê um pesadelo. Vê o passado o presente o futuro? Ibn Khaldun senta-se na praia de Bourj Hammoud perto da montanha coberta de verde. Em que pensa? As emoções da cidade estão divididas. As pessoas estão distribuídas por duas trincheiras, três trincheiras, um número indefinido de trincheiras. É importante estar numa trincheira. Os sacos de areia servem. Os carros queimados servem. As pontes servem. Os vivos servem. Os prédios altos servem. Servem quem? Servem porquê? Não é claro. A opacidade envolve o país. Os olhos de Bourj el-Murr olham, enegrecidos cegos à cidade. Para onde ir? Mobilização, mobilização. Todos contra todos. As pessoas entrincheiradas. As trevas estarão de volta? Amanhã de manhã, a cidade estará em pedaços. Traçamos linhas verdes uma vez mais. Habitamos as ruínas do Holiday Inn? Esperamos mais dois dias? Esperamos mais uma semana? Mas porquê? A espera tortura. Tensão. Espera. O estômago está ferido de ânsia. Rebentam-te úlceras. Úlceras são um problema. Deve evitar-se comida ácida. Foul. Babba Ghanoush. Tabbouleh. Tomate. Hummos com Tahine. Fatteh com grão-de-bico e iogurte. Isto é um problema. Porque fechou Baladour as suas portas? Ibn Khaldun nunca comeu Foul em Beirute. Viveu há séculos atrás e adorava comida magrebina. Qual seria o seu prato favorito? Gostaria de ovos fritos? Gostaria de Siadhie e Samkeh Harra?
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"Como apagar um milagre" de Francisca Camelo

26/1/2019

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milagre
primeiros sintomas
contra-indicações
como apagar um milagre
como acreditar nele
observar os mamilos ao espelho 
ainda não escureceram 
observar os fantasmas ao espelho 
ainda não desocuparam 
e como os mamilos 
não doem por demais

chá de carqueja 
mata tudo 
sono leve 
tensão alta 
milagres avulsos
matar milagres é tão fácil 
basta o roma do cuarón 
e algum chá de carqueja 
mijar para um stick branco 
e ver dois riscos 
um no ecrã minúsculo 
apontando para o c de
controlo / coragem / cansaço 
outro atravessado ao longo 
dos meus olhos embargados
segurando o nojo
de não lavar a urina 
na ponta dos dedos 

apertar a tâmara 
ver se tem caroço 
apertar a garganta 
ver se tem amor 
espremer com cuidado
ver o que sobra
smiley eggs, dizia 
na embalagem de chocolate
rotten uterus, pensava eu 
pesando com a mão direita
a papaia demasiado
tocada - tantas viagens 
quilómetros transladados 
e agora agora 
ninguém a come -
encontrar de tudo no supermercado 
como no útero
não comprar nada 
não nascer nada
o útero ser também 
uma cama húmida 
para a morte 

olha só o que dizia 
a mulher duplamente abandonada 
do roma 
que é um bairro suburbano 
no méxico 
uma capital europeia 
e amor ao contrário 
escuta o que ela dizia à grávida 
chegando bêbada a casa
depois de se descobrir:
estamos solas.
no importa lo que hágan, 
estamos solas
é que para apagar 
um milagre
é preciso primeiro
acreditar que ele existe.
ver perfil de francisca camelo
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"A mente da colmeia" de Samuel Costa

25/1/2019

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(abstrato e sentimental)

O horror das redes são os ciclos,
talvez por isso a imagem
da árvore ou da estrela se adequem
melhor à ilustração da sua topologia.

As redes, nos seus momentos
de avalanche e de cheia,
em que buscam referenciais
para retomar a linearidade
da perspetiva atómica que naturalmente
buscam, podiam muito bem
encontrá-los entrando
e saindo de círculos hermenêuticos.

Não vejo porque se pode ter medo
de escrever hermenêutico num poema,
se hermenêutico for falsa moeda verdadeira.
Quem diz círculos hermenêuticos diz
círculos de compreensão, diz
colecionar comprimidos mortais, diz
levar um chapadão de espanto.

As redes têm horror a ciclos, lembra-te
disso, antes de sair desta sala já.

(descritivo e caricatural)

Onde colocar o Olimpo de uma secretária,
como endireitar a silhueta do serviçal
"o intelecto tem uma escolha a fazer"
a um canto um chefe saco-cheio
com um filho atleta, como eu e tu, jovem,
a fazer biscates de construção na Suíça,
um jovem árbitro no outro canto,
sem enlouquecer, que cursa uma inutilidade americana,
outro, um colega negligente e direito.
Temos as nossas vitorias menores
e honestos lapsos de memória
estas manhãs pulsam com a cândida luz,
o otimismo de esperar do outro o melhor.

O motor da prosperidade dá os seus aquáticos
soluços, o gospel empresarial não
recrutou por cá as mãos soldadescas, o mínimo que
podemos fazer é dar uma gargalhada fanfarrona.
O maior veneno, pode ser devolvido ao mundo
como um luminoso Selah, antes de sair desta sala já.
ver perfil de samuel costa
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"Museu Pessoal" de Gisela Casimiro

23/1/2019

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A minha proposta é uma amostra de um trabalho que se divide entre a arte antiga e a arte contemporânea. Parte do sonho, do projecto de construção do meu próprio museu pessoal, povoado de reinterpretações quer de obras de arte mais ou menos imediatamente reconhecíveis, quer de fotos de celebridades e mesmo de amigos. Enquanto africana (nascida na Guiné-Bissau, 1984) e tendo vivido em Portugal desde 1988, a minha experiência é, de certo modo, intimamente africana (em casa, através da língua, da música, da comida) e externamente europeia (na rua, através também da língua, mas ainda da escola, do trabalho, da consciência flagrante da diferença). O espelho talvez una estas duas extremidades.

Este projecto começou como uma pequena brincadeira, e cresceu ao longo do tempo, através de inspirações e impulsos momentâneos, com ferramentas e acessórios de fácil acesso, um telemóvel ou câmara fotográfica de baixo custo e o apoio dos meus amigos. Quis fazer arte, ser arte, definir arte, independentemente do estatuto social ou económico. Ter uma voz e ocupar um lugar que parece, não importa quantos mais museus visite, na Turquia, em Espanha, na Irlanda ou em Portugal, apenas pertencer aos escravos e criados. Ora, o africano é mais do que isso. Merece mais do que isso.

Quis, por um lado, colocar um africano num lugar de destaque na obra de arte e corrigir, se não a História, pelo menos os livros. Quis colocar-me no lugar do outro, fosse ele homem ou mulher, anónimo ou famoso. Defendo que qualquer um de nós poderia ser, precisamente, esse outro, na arte e em qualquer parte. Quis recriar um momento enquanto construía ou celebrava outro e o outro, aquele que não sou eu. Quis sobretudo olhar para mim mesma e reconhecer-me, dentro e fora de mim. Pertencer. Os últimos anos foram marcados por transformações emocionais, físicas, espaciais e materiais profundas. Este trabalho parcial que aqui apresento resume a necessidade de discussão, celebração e desmistificação de conceitos, crenças e etapas mas sobretudo da arte e da vida.


Imagem
 

Julio Romero de Torres, "Oranges And Lemons" (1927)
Gisela Casimiro - "Só Laranjas pois não tinha Limões" (2016)
​Fotografia digital sobre quarto alugado em casa partilhada em zona histórico-turística, por vezes enfrentando o desemprego, por vezes tendo dois trabalhos para sobreviver.
Imagem

​

Johannes Vermeer - "Rapariga com o Brinco de Pérola" (1665)
​Gisela Casimiro - "Rapariga com o Brinco de Pérola Negra" (2018)
​Fotografia digital de negra sobre fundo branco.

​
Imagem
Elías García Martínez "Ecce Homo" (1930)
  Cecilia Giménez "Ecce Homo" (2012)
Gisela Casimiro - "Essa moça" (2017)
​Fotografia digital, máscara de argila branca sobre rosto negro enquanto penso na escravatura num sábado de manhã.
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